Ouça enquanto lê Ainda Bem da Marisa Monte
Eu quase cheguei a desacreditar no amor. Os textos sobre ele se tornaram escassos, os suspiros de felicidade diante de casais apaixonados rarearam e até as músicas melosas daquela pasta vergonhosa que ocupavam parte do disco rígido do meu computador não eram mais tocadas. Se antes o amor era visto até no raiar do dia, o cinza pálido tomou conta da minha visão quando passei a assumir tudo apenas como dádivas do ciclo natural das coisas. Assim, gradativamente, o amor foi se perdendo em si mesmo, sucumbindo aos desejos do fracasso, à força da opressão e ao impulso do medo. Foi isso que mais senti quando quase cheguei a desacreditar no amor. O medo do futuro que se abre. Inexplorável. Ameaçador. Como acreditar em algum sentido da vida sem o amor?
De cabeça baixa, andando pelas ruas num corpo quase inerte enquanto ventos ruidosos chacoalhavam meus cabelos, eu sentia que mesmo de mãos fechadas, o amor escorria pelos meus dedos rumo a um destino sem volta. Sem sua crença, ele não existira, eu não seria eu. Mas então, como que por intervenção divina, você apareceu. Todo sorrisos, conversas inteligentes e perfume amadeirado. E de repente, o amor enroscou-se em meus dedos e se fixou como quem não quer sair de perto. E o raiar do dia, aquele que eu já tinha passado à ver pelo lado científico, tornou-se lindo. Virou amor. E eu me tornei toda feita de amor. Éramos ambos amor. Ainda bem que você chegou, senão não haveria esse texto, não haveria eu, não haveria sentido. Eu quase cheguei a desacreditar no amor. Ainda bem que você chegou a tempo.