17/02/2017

Quadro Clínico


Se possível, leia ouvindo.

Estava ela lá de novo, sentada sob a sombra da macieira que adornava o quintal de sua casa. Da visão da minha janela, o sol das cinco se punha atrás de si, lhe trazendo uma leve aura cálida, que irradiava ao seu redor. Sua silhueta pequena curvada sobre o livro tentava desajeitadamente organizar os fios de cabelo que teimavam em desalinhar-se de seu rosto. A irmã pequena ainda se balançava forte do outro lado da árvore. A casa amarela continuava naquele tom queimado, que logo precisaria de uma demão nova de tinta. Dona Clarinda viria em poucos minutos chamar as filhas para entrarem, seguido de um abraço caloroso e risinhos que as acompanhariam até o bater da porta de entrada. Pouco depois viria o cheiro de café coado e pão tostado com manteiga e então viria a calmaria.

Parecia loucura ficar na janela no mesmo horário todos os dias nos últimos dois anos. Qualquer um que me visse diria isso. Eu diria isso se estivesse do lado de lá também. Afinal, não parece muito inteligente ver o pôr do sol através de um terreno baldio com resquícios de demolição e uma placa de venda fincada na terra. Eu concordaria com você, caro leitor desconhecido, colocaria minha mão em seu ombro e riríamos juntos do pequeno notável esquisito que acabei por me tornar. Mas isso só aconteceria se eu não a tivesse conhecido. Talvez se eu não tivesse criado coragem para falar com ela naquele dia nublado. Se eu não tivesse sentido seu cheiro adocicado daquele perfume enjoativo de baunilha. Ou se eu não tivesse conversado com ela sobre os planos futuros sentado num banquinho da praça principal. Ou se nós não tivéssemos ficados bêbados pela primeira vez juntos. Ou se a nossa primeira vez não tivesse também sido compartilhada. Assim, só talvez, eu concordaria com você e acreditaria na minha loucura. A casa demolida seria só mais uma na cidade e ela seria só a nerd da rua e eu mais um moleque prepotente que mal sabe decidir o que vestir. Mas caro leitor, ela se foi e eu continuo nessa dimensão. E a casa não é só uma casa. Era amor. É amor ainda. Mas convenhamos que amor não deixa de ser uma loucura. Um torpor. Então eu concordo com você, eu sou louco. E para o quadro clínico piorar, não há cura, não há medicamentos, caro leitor. Só o tempo é quem dirá.

20 comentários:

  1. Oi oi!
    Ótimo texto, fiquei lendo e imaginando algumas cenas.
    Você escreve e eu gostei do seu blog :)

    https://heyimwiththeband.blogspot.com.br

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    1. Oie!
      Muito obrigada! Saber que conseguiu imaginar através do que eu escrevi já é um grande motivo de felicidade.
      Obrigada, sinta-se à vontade para voltar sempre!
      Beijão.

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  2. Sabe qual foi o cenário que eu imaginei lendo esse conto? Alice no País das Maravilhas :D e foi até que uma boa visão da história. Gostei! Gosto da forma como você faz a gente imaginar cada detalhe do momento contado.

    Beijos!
    www.likeparadise.com.br

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    1. Sério? CARA! Eu adoro quando eu escrevo alguma coisa idealizando um ambiente e quem lê cria o seu próprio ao seu modo. Tipo "Salva", teve várias pessoas com diferentes versões de cenário e na real, foi bem simples o que imaginei.
      Adorei sua versão! E relendo meu próprio conto descobri nas entrelinhas um outro caminho.
      Obrigada pelo comentário!
      Beijão.

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  3. São dez e onze da noite, e eu eu mergulhei nessas linhas Selma, e queria mais, ouvi a música, estou de tpm e acabei de quase chorar, nossa. Você deveria escrever um livro adolescente, mas com essa história, gostaria muito de ler a história inteira.
    Beijos, Fê.

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    1. Sorte na TPM, Fê! Chora não, calma. Sério? Obrigada! Chato é que esse é um dos poucos contos que não criei sequência nenhuma pra ele, sabe? Tipo, nada que prolongue mais um pouco. Quem sabe um dia não vem a inspiração...
      Obrigada pelo comentário!
      Beijão.

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  4. Oi!! Que lindo texto, voce escreve muito bem. Bjos ♥️

    Click Literário 

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  5. Selma,

    Vi comentários teus em alguns blogs que acompanho e acabei chegando aqui. E que bom que cheguei!

    Gostei imenso da maneira como você nos conduz durante toda a narração. Comecei a ler achando tudo muito leve, fazendo cenas casuais. Daí então, quando tudo foi começando a fazer sentido, fiquei meio embasbacada. Que final!

    Parabéns pela criação. Pelo tom. Por tudo.

    Beijo meu.

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    1. Primeiro: obrigada por se sentir vontade de conhecer meu cantinho!
      Eu fico realmente feliz que você tenha sentido isso através da minha escrita, viu? Muito, muito obrigada pelo incentivo. Me motiva a sempre escrever mais e, se possível, cada vez melhor.
      Obrigada pelo comentário!
      Beijão.

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  6. Texto maravilhoso <3 Me apaixonei por suas palavras, tu escreve muito bem moça!
    http://b-uscandosonhos.blogspot.com.br/

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    1. Fico feliz por ter achado isso Ké!
      Obrigada pelo comentário!
      Beijão.

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  7. Eu quase pude sentir o cheirinho do café coado <3.
    Queria que você escrevesse mais sobre essa história, sobre antes da casa ser demolida.

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    1. Awn, que sensação boa de se ficar enquanto lê <3
      Como eu falei lá em cima pra Fê, o chato é que esse é um dos poucos contos que não criei sequência nenhuma pra ele, sabe? Tipo, nada que prolongue mais um pouco. Quem sabe um dia não vem a inspiração...
      Obrigada pelo comentário! :)
      Beijão.

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  8. Owwnnnt Selmaaaa! Estou boquiaberto com tudo. Essa semana foi bem turbulenta pra mim na faculdade e acabei por nem poder blogar. Não o blog de ninguém, e nem no meu tive tempo de postar! Tragédia. Mas olha só... venho-lhe vistar e você está com esse layout maravilhoso! Estou simplesmente apaixonado. Seu blog ficou 1000% mais lindo agora. Ótimo mesmo! ♥ Parabéns! Sobre o texto, adorei os detalhes. Imaginei a cena da árvore com o por do sol atrás, e ficou lindo demais na minha cabeça. Uma foto!

    ACESSO PERMITIDO. ♥
    www.acessopermitido.com

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    1. Awwwwwn! Espero que tudo tenha ficado nos eixos, viu? Ah muito obrigada! Eu imaginava que tinha ficado melhor, mas não tudo isso, haha.
      Sobre o texto, essa cena foi a que me fez ficar rindo feito boba enquanto escrevia. Ficou lindo também na minha mente.
      Obrigada pelo comentário! :)
      Beijão.

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  9. Antes de tudo preciso comentar sobre esse layout novo: está lindo demais!Achei que tem muita personalidade e combina demais com seus textos. O cabeçalho está incrível, a "plaquinha" (não sei como chamar haha) onde está escrito São Paulo está incrível, enfim, está tudo incrível e tudo a ver com conteúdo. Amei <3
    Agora, sobre o texto, preciso dizer que amei mais ainda haha
    Acho que já disse isso antes, mas você conduz a narrativa de uma maneira impecável. Sabe como prender o leitor dentro da história. Enquanto lia eu realmente me senti lá, vendo o por do sol, sentindo o cheiro do café e do pão tostado. E, por fim, a dor de perder alguém que amamos. E como esse amor continua, mesmo quando a pessoa em questão não está mais lá.
    "Era amor. É amor ainda"
    Beijos e não pare nunca de escrever!

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    1. Awn! Muito obrigada Kim! E olha que a plaquinha foi coisa pensada em último momento, viu? Enquanto escolhia as cores também senti uma familiaridade bem maior com esse layout do que com o antigo.
      Ah, obrigada de novo! Como eu já te respondi em outros comentários, minha maior felicidade é essa, quando quem lê o que eu escrevi se sente inserido no cenário do texto. Ah, e eu prometo isso!
      Obrigada pelo comentário! :)
      Beijão.

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  10. Mais um conto lindo. É fácil imaginar acontecendo, isso que o torna tão lindo e tão singular.

    Vidas em Preto e Branco

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    1. Obrigada Lary! Fico feliz que tenha conseguido imaginar tudo que tentei passar com esse conto.
      Beijão ♥

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Olá! Fico muito feliz de que leu o que escrevi com carinho e vai me dedicar um pouco do seu tempo para deixar um comentário. Eu agradeço. Eu tenho costume de responder a todos os comentários, então deixe marcado a caixinha "Notifique-me" no canto inferior direito da caixa de mensagem para receber a atualização em seu e-mail ou sinta-se à vontade para voltar a esse post e ver o que eu te respondi.
Um beijão, Selma Barbosa.