A mochila ia ao seu lado, no assento vazio do ônibus de viagem. Uma passada de olho pelo corredor e viu que os assentos vazios não eram poucos, mas também pudera, a cidade não era um destino interessante e ela mesma não sabia como aquela única companhia ainda mantinha a linha funcionando com tão pouco lucro. Assim que sentiu o corpo sacolejar levemente quando o ônibus arrancou ela se sentiu finalmente em paz. Catou uma maçã de um das dezenas de bolsos da mochila e deu uma mordida silenciosa enquanto apreciava a paisagem que se modificava do lado de fora da janela.
Logo vieram os primeiros suspiros enquanto os outros passageiros ressonavam e ela mesma se deu ao luxo de dar um cochilo. Quando acordou, já estava escuro e o céu parecia que não ia ver a cor da Lua aquela noite. Ao seu lado, o assento estava ocupado e a sua própria mochila agarrada aos braços de um desconhecido. Ela percebeu que o cochilo se tornou um sono pesado quando olhou as horas no relógio e já passavam das nove da noite. O ônibus já havia passado pelo único ponto em que paravam durante toda a viagem e ela não tinha mais a liberdade de um assento livre ao seu lado. Pensou em acordar o desconhecido, ou puxar a mochila, ou passar silenciosamente por ele e ir ao banheiro, mas todas as opções se tornavam muito tolas na mente quando ela parou pra pensar em cada uma separadamente. No fim, decidiu voltar a dormir. Saberia que dali em diante só teria a cidade-destino pela frente e não teria como o desconhecido fugir com sua mochila.
Imaginou que passava das sete horas da manhã quando abriu os olhos de novo. A paisagem do lado de fora da janela já tinha passado pra um misto de vegetação ressecada com montanhas de cume disforme. Ao seu lado, um assento vazio com sua mochila no lugar de sempre. Onde ele foi? Afastou-se da janela pra olhar o corredor, certificando de verificar todos os assentos que estavam vazios desde a partida e que agora estavam preenchidos, mas a blusa cor de laranja tijolo não estava repousado em nenhum deles. Um bater de portas atrás de si e ela não soube reagir quando ele sorriu gentil e pediu licença para sentar. O sorriso iluminou todo o rosto pequeno quadrado e ela voltou, sem jeito, ao próprio assento. Ele sentou silenciosamente e enquanto ela tentava organizar os pensamentos, ele já estava sentado novamente, segurando sua mochila. Droga! Como eu esqueci de pegar antes q... Ela reparou que ele a fitava com olhos curiosos, ansioso de resposta.
- Olha, não é nada contra você, mas se puder devolver minha mochila...
- Eu pensei que você não iria pedir. - Ela imaginou que ele tinha respondido daquela forma para ser rude, mas o sorriso no rosto dele demonstrou o contrário. Estava tentando ser legal.
- Desculpe. - Olhou a janela por alguns segundos e cochichou a si mesmo - eu acho.
- Sou Beto. Bem, Roberto..
- Ana. Só Ana mesmo. - Forçou-se a sorrir relaxada, já que não era sempre que conversava com desconhecidos em viagens de ônibus. Ainda mais quando o destino era aquela cidade.
- Se eu te perguntar o motivo da viagem é muita intromissão da minha parte?
- Minha mãe. Ela vive acamada e eu venho visitá-la uma vez por mês.
- Ah... - Ana imaginou que ele possivelmente tentaria uma piadinha se não fosse pela sua resposta certeira.
Ela esfregou os próprios olhos e se fez de sonolenta enquanto encostava a cabeça no vidro da janela. Faltava só mais três horas de viagem e ela preferia não perder mais tempo numa conversa com o desconhecido. Pouco tempo depois começou a cair uma garoa fina. Ela passou a fazer desenhos aleatórios na janela embaçada quando viu que Roberto remexia inquieto em seu assento.
- Sua mãe tem quantos anos? - Ele perguntou. Rápido e sucinto.
- Ahn... Sessenta... E oito.
- Porque ela está acamada?
Quando as perguntas parariam? Ana pensou em todas as possibilidades possíveis, mas nenhum problema de saúde que vinha em sua mente parecia o suficiente pra invalidar alguém.
- É uma enfermidade muito rara, sem nenhum outro caso na medicina. Não sabem o que é.
Roberto apontou pra janela quando viu um grande outdoor de fundo verde dando as boas vindas à cidade-destino. Ana sorriu inconscientemente. Cerca de quinze minutos depois estavam no terminal, foram os últimos a descer do ônibus e Roberto fez questão de um aperto de mão e um "até logo" intimista. Ana preferiu um sorriso leve.
Quando desceu do micro-ônibus que havia parado em frente àquela tradicional casa rosa, involuntariamente ela correu ao portão e jogou a mochila ali mesmo, na rua. Sua mãe veio ao portão sorridente, com a mesma aparência de sempre. Abraçaram-se por um tempo demasiado e Ana aspirou o perfume familiar o máximo que pôde.
- Como ele está? - O sorriso dela se desfez um pouco.
- Na mesma. - Sua mãe continuava com a aura radiante, mesmo diante daquela pergunta.
Entraram em casa, Ana com a mochila levada por uma alça nas costas enquanto sua mãe ia até outro aposento. Ela abriu a mochila e remexeu no interior mais bagunçado do que devia. Encontrou um pequeno embrulho de papel de caderno. Quando abriu, uma maçã rechonchuda. No papel havia escrito "Espero que seu filho melhore, e você fique bem. Beto." Como...? Quando olhou para o bolso frontal da mochila, reparou no sapatinho de cor azul celeste que balançava pendurado no zíper.
Abriu a porta do quarto branco translúcido e sorriu quando viu o filho deitado na posição de sempre. Os olhos aéreos, os braços caídos ao longo do corpinho miúdo. "Ma...", ele disse, desajeitado com o esforço da fala, deu um sorriso torto e tentou desviar o olhar pra mãe. Ana sabia da dificuldade. Lágrimas teimaram em descer pelo rosto.
- Trouxe uma maçã pra você. Mamãe te ajuda a comer. - E quando Ana finalmente envolveu o corpo de Felipe próximo ao seu, ela olhou pra cima e agradeceu por aquela empresa de ônibus não ter desistido daquele itinerário. Havia coisas que não precisavam de explicação.
- Sua mãe tem quantos anos? - Ele perguntou. Rápido e sucinto.
- Ahn... Sessenta... E oito.
- Porque ela está acamada?
Quando as perguntas parariam? Ana pensou em todas as possibilidades possíveis, mas nenhum problema de saúde que vinha em sua mente parecia o suficiente pra invalidar alguém.
- É uma enfermidade muito rara, sem nenhum outro caso na medicina. Não sabem o que é.
Roberto apontou pra janela quando viu um grande outdoor de fundo verde dando as boas vindas à cidade-destino. Ana sorriu inconscientemente. Cerca de quinze minutos depois estavam no terminal, foram os últimos a descer do ônibus e Roberto fez questão de um aperto de mão e um "até logo" intimista. Ana preferiu um sorriso leve.
Quando desceu do micro-ônibus que havia parado em frente àquela tradicional casa rosa, involuntariamente ela correu ao portão e jogou a mochila ali mesmo, na rua. Sua mãe veio ao portão sorridente, com a mesma aparência de sempre. Abraçaram-se por um tempo demasiado e Ana aspirou o perfume familiar o máximo que pôde.
- Como ele está? - O sorriso dela se desfez um pouco.
- Na mesma. - Sua mãe continuava com a aura radiante, mesmo diante daquela pergunta.
Entraram em casa, Ana com a mochila levada por uma alça nas costas enquanto sua mãe ia até outro aposento. Ela abriu a mochila e remexeu no interior mais bagunçado do que devia. Encontrou um pequeno embrulho de papel de caderno. Quando abriu, uma maçã rechonchuda. No papel havia escrito "Espero que seu filho melhore, e você fique bem. Beto." Como...? Quando olhou para o bolso frontal da mochila, reparou no sapatinho de cor azul celeste que balançava pendurado no zíper.
Abriu a porta do quarto branco translúcido e sorriu quando viu o filho deitado na posição de sempre. Os olhos aéreos, os braços caídos ao longo do corpinho miúdo. "Ma...", ele disse, desajeitado com o esforço da fala, deu um sorriso torto e tentou desviar o olhar pra mãe. Ana sabia da dificuldade. Lágrimas teimaram em descer pelo rosto.
- Trouxe uma maçã pra você. Mamãe te ajuda a comer. - E quando Ana finalmente envolveu o corpo de Felipe próximo ao seu, ela olhou pra cima e agradeceu por aquela empresa de ônibus não ter desistido daquele itinerário. Havia coisas que não precisavam de explicação.
Esse texto pertence ao desafio Imagem & Palavra do grupo Interative-se! do Facebook. A imagem que me foi "sorteada" foi a que ilustra esse post.
Seria você a escritora mais talentosa e criativa de todas???? Acho que sim hahaha Foi um texto tão detalhado e curioso, me prendendo do início ao fim sem aquela pressão de "uau um texto longo", quando vi já estava perto do final. Juro que fiquei com um gostinho de quero mais sobre o Roberto, qualquer pessoa que veste algo com laranja tijolo tem a minha total atenção. Ótimo texto, miga! Beijão
ResponderExcluirQuero ser Miranda
Que exagero Ray! Quando eu terminei de escrever - antes de dar a última lida e revisão que sempre faço - eu vi esse tamanho todo e imaginei a mesma coisa, que estava grande demais para os padrões que sempre posto. Mas aí li e percebi a mesma coisa: tem a fluidez que eu queria que tivesse.
ExcluirEu também fiquei com esse gostinho, viu? Mas a Ana não quis me contar mais nada sobre o Beto... Tomara que ela ainda encontre ele outra vez.
Obrigada pelo comentário e pelo elogio Ray! :)
Beijão ♥
Oi sua linda!!!!Tá tudo bem com você minha querida?
ResponderExcluirEstava te devendo uma visita né? Você sempre deixa tanto recado com tanto carinho lá no meu blog, e agora eu vi que estou no seu blogrollzinho lindo!
Queria agrader do fundo do meu coração de dragão por todo este carinho viu?!
Não sou muito de comentar em textos como você faz, porque muitas vezes não tenho muito o que dizer. Mas isso não indica que sempre vc me deixa um recadinho eu não venha aqui te fazer uma visita e ver como andam as coisas por aqui. Não sei se já tinha falado antes mas, seu template é lindinho viu, e super bem organizado. Desejo todo sucesso do mundo a você! ♥
Oi Flavi! Tudo bem comigo e você? ♥
ExcluirSinta-se à vontade para voltar quando quiser, viu? Eu gosto muito do Memórias de Uma Guerreira e meu carinho é todo gratuito!
Eu entendo como é difícil comentar em textos e geralmente até eu tenho dificuldade de comentar neles, mas é um pouco mania minha de comentar em tudo que leio. Eu agradeço pelo seu elogio, é muito importante!
E obrigada pelo comentário! Desejo o dobro pra você! :)
Beijão ♥
Obrigada pela visita no meu blog e adorei saber o produto que você usa no cabelo. Vou fazer um teste e procurar produtos dessa mesma linha pra ver se da certo no meu cabelo também. Eu to tentando de tudo no meu cabelo mas tá braba a coisa kkkk um beijinho :*
ResponderExcluirhttps://beijouva.blogspot.com.br/
A Salon Line é incrível, eu recomendo muito!
ExcluirObrigada pelo comentário! :)
Beijão ♥
Havia coisas que não precisavam de explicação! Owwwnnnt, Selma. ♥ Adorei. A reviravolta do texto é incrível. Realmente não estava esperando que fosse ser o filho dela. Além disso, quero te parabenizar pelos detalhes. Até o outdoor verde, que realmente sempre contem os nomes das cidades. PERFEITOOOOOO! ♥ Parabéns!
ResponderExcluirACESSO PERMITIDO. ♥
www.acessopermitido.com
Obrigada pelo comentário e pelo elogio! :)
ExcluirBeijão ♥
Mulher, o texto tá incrível, mas vou te dizer que fiquei confusa aiuehiuahe. Não era a mãe dela que estava acamada? Como que ela surgiu de repente de pé na porta e era o filho de ana que estava acamado? Bom, de qualquer forma, o conta tá incrível demais. Acho que já te disse isso algumas vezes, mas você manda super bem e tem todo talento do mundo pra escrever um livro ♥
ResponderExcluirEntão Kelly, é que eu acabei não falando tudo sobre a Ana pra não prolongar demais o conto, mas é assim: ela vive em outra cidade (bem longe) da que vivem sua mãe e seu filho e não gosta de falar sobre o Felipe, de certo modo tem até vergonha de contar aos outros a condição de seu filho, por isso, ela inventou uma história qualquer ao Beto só pra distraí-lo, mas o sapatinho no zíper acabou a entregando (porque afinal, quase ninguém usa um sapatinho como chaveiro a menos que seja pai ou mãe, né?). Então o Beto percebeu isso, e mesmo sabendo que ela não era de ficar conversando, resolveu deixar um bilhete.
ExcluirObrigada pelo comentário e pelo elogio Kelly! :)
Beijão ♥
Que texto incrível! Conheci seu blog a pouco tempo e já to amando ele!!! Que surpresa no final, nada do que eu imaginei, foi muito melhor! Quanta criatividade e talento! Amo sua escrita! Bjuus
ResponderExcluirHTTPS://JUBIRUBS.BLOGSPOT.COM.BR
Awn, que amor Ju! Sinta-se à vontade par voltar sempre, viu? Agradeço por todo esse carinho!
ExcluirE obrigada pelo comentário! :)
Beijão ♥
Nossa Selma, você seria uma incrível escritora de livros de contos, que são os que mais gosto! Gostei muito do seu jeitinho de narrar e seu blog é tão fofinho... sucesso!
ResponderExcluirBeijinhos!
http://barbaradoblog.com/
Sério Barbs? Muito obrigada pelo carinho! Volte sempre!
ExcluirBeijão ♥
Que incrível! Vou te confessar que nessa correria da vida eu acabo não dando atenção para posts mt grande, mas resolvi ler, fui me prendendo e amei. O melhor é quando conseguimos nos surpreender no final. Parabéns! Bjs
ResponderExcluirwww.mayaravieira.com.br
Eu fico tão feliz por isso! E eu te entendo essa dificuldade de ler textos longos, viu? Mas saber que você parou pra se dedicar ao meu conto é muito gratificante!
ExcluirObrigada pelo comentário, volte sempre! :)
Beijão ♥
Me pergunto como tem tanta criatividade, é realmente incrível Selma!!! Parabéns pelos detalhes, pela graça nas palavras e pelo talento. Beto nos deixou muito curiosos. Como sempre um texto que enche os olhos de qualquer leitor curioso. Obrigada por sua visita ao meu blog, és muito bem vinda *-* espero poder te encontrar novamente por lá, a propósito, tem post novinho, te aguardo <3 Beijocas!
ResponderExcluirSorriso Jovem | SJ Oficial Fanpage
Muito, muito obrigada pelo carinho Hilda! Pode deixar que eu volto sim, viu?
ExcluirBeijão ♥
Selma,
ResponderExcluireu queria postar uma foto de como está meu corpo agora. As pernas arrepiaram-se. Os braços arrepiaram-se. E meu olho está com uma garoa fina que, honestamente?, vou deixar cair. Impossível não se permitir envolver na tua narrativa e na delicadeza que foi esse final. Eu estou aqui agoniada, torcendo para que Ana reencontre Beto e faça mais perguntas. Como ele sabia? Quem era ele? Tantas coisas, tantas.
Por favor, dê continuidade à essa história. Transforme-a num 'seriado', por favor. Esses personagens merecem ganhar vida.
Você tem um talento ímpar, Selma. Parabéns!
Mafê, eu nunca sei bem como reagir a todo seu carinho e à cada elogio. Eu não sei nem o que falar por você ter sentido tudo isso com a Ana e o Roberto. Eu acabei não prolongando tanto o conto porque a senhora Ana também ficou cheia de mistérios e mal me contou sua história, mas acho que ela ficou balançada com esse seu pedido, viu? Acho que ela logo vai chegar no meu ouvido pra contar tudo o que aconteceu. Aguarde as novidades! :3
ExcluirE como sempre, obrigada pelo comentário! :)
Beijão ♥
Geeente, esse foi um dos contos mais lindos que já li. Eu adorei como a história fluiu naturalmente. Eu confesso que no comecinho deu uma preguiça de ler, mas quando comecei, não consegui mais parar ♥
ResponderExcluirQue blog lindooo, ameiii! Já tô seguindo ♥
xoxo,
floresnoluar.blogspot.com.br
Awn Duda! :3 Muito, muito obrigada por ter continuado lendo, viu? Melhor ainda é saber que valeu a pena o tamanho e que você gostou tanto do conto.
ExcluirMuito obrigada pelo comentário e sinta-se à vontade para retornar sempre!
Beijão ♥
Nhnhonhonho *o* que texto amorzinhoooooooooooooo!
ResponderExcluirAwn! Obrigada ♥
ExcluirBeijão!
Precisei reler umas 3 vezes para entender a parte final, mas isso não tira os seus méritos descritivos. Gostei principalmente da forma despretensiosa como escreve, de modo leve e contemplativo. Parabéns ;) Pretendo voltar mais vezes!
ResponderExcluirhttp://omundoemcenas.blogspot.com.br
Vitor, vou te explicar a mesma coisa que disse pra Kelly: é que eu acabei não falando tudo sobre a Ana pra não prolongar demais o conto, mas é assim: ela vive em outra cidade (bem longe) da que vivem sua mãe e seu filho e não gosta de falar sobre o Felipe, de certo modo tem até vergonha de contar aos outros a condição de seu filho, por isso, ela inventou uma história qualquer ao Beto só pra distraí-lo, mas o sapatinho no zíper acabou a entregando (porque afinal, quase ninguém usa um sapatinho como chaveiro a menos que seja pai ou mãe, né?). Então o Beto percebeu isso, e mesmo sabendo que ela não era de ficar conversando, resolveu deixar um bilhete.
ExcluirObrigada pelo comentário! :)
Beijão ♥
Confesso que demorei um pouquinho para entender e já estava me sentindo lerda quando vi que não foi só eu haha Li a explicação que você deu para as outras pessoas e agora as coisas fizeram mais sentido! Uma coisa que me tocou muito foi a gentileza do estranho. Somos tão habituados a desconfiar de tudo, ainda mais quando um estranho é gentil com nós.
ResponderExcluirMe fez lembrar que sempre existem pessoas dispostas a ajudar, mesmo que seja com palavras amigas (as quais fazem um bem danado).
Beijos!